do Brasil, Francisco G. de Amorim
Um encontro com CristoJá, tantas vezes, nos foi dito que Cristo anda por aí, neste mundo, disfarçado, em cada um dos nossos semelhantes, sobretudo naqueles a quem a sorte menos favoreceu, ou no princípio, ou no meio, ou no fim da vida. “Aquilo que fizerdes a cada um dos mais pequeninos...”
Apesar de ver os anos a carcomerem-me o físico, um desafio irrecusável, feito há dias por um sobrinho do coração, filho dum enorme amigo, infelizmente já fora desta terra, veio reacender a esperança de ver realizado um sonho que, talvez infantilmente, fui acalentando desde a mais tenra mocidade: sair um dia, à vela, atravessar esse “mar salgado que é português”, sondar o insondável, e sentir o que os nossos avós sentiram quando se aventuraram ao desconhecido, a unir povos, o mundo, que apesar de tanta aproximação, muitos teimam em querer manter afastados.
O desafio, para um “jovem” da minha idade: acompanhá-lo numa ida de barco à vela, entre o Rio de Janeiro e Luanda, e com a ajuda da Senhora dos Navegantes, regressar! Meu Deus! Que sensação fantástica! Como o físico não dá já para grandes esforços fui “designado” cozinheiro, navegador e contador da história! Porque esta história tem que ser contada.
Preparativos, estudos de marés, correntes, ventos, navegação astronômica, apesar de obsoleta, aprendida há mais de trinta anos e quase toda esquecida, esmiuçar a necessária segurança, mantimentos, primeiros socorros, distração a bordo, etc.. Uma tarefa grande que deve ser precisa e meticulosa.
Entre os afazeres, encontrar uma bandeira de Angola, para envergar, como cumprimento e cortesia ao entrar em águas territoriais daquele saudoso país. A bandeira de Angola, há anos que estará para ser alterada, mas as discussões sobre o assunto não acabaram ainda. Para me certificar de que não encomendaria a bandeira errada, e obter informações sobre o visto de entrada, fui ao Consulado de Angola, no Rio de Janeiro, e encaminharam-me ao Adido Cultural.
Jovem - da idade dos meus filhos - filho de muxiluandos, foi dizendo que tinha sido educado na Casa dos Rapazes de Luanda! Um tremendo baque me atingiu! Há quase quarenta anos o acaso me levou a visitar aquela instituição, que albergava cento e sessenta rapazes, a maioria dos quais não tinha família.Dediquei algumas horas e dias do meu tempo livre a colaborar para alegrar um pouco a vida daquelas crianças, sempre levando junto os meus filhos para que com eles brincassem e sentissem os seus problemas. Por uma brincadeira (que descrevi no meu livro “Contos Peregrinos a Preto e Branco” de 1998) fiquei conhecido no meio da garotada pelo apelido de “O caçador”! Atrevi-me a perguntar ao Adido se ele se lembrava de ter ouvido falar num indivíduo a quem tinham posto este nome! Lembrava, sim. “Parece-me que tinha um Volvo... e morava ali... perto da Igreja da Sagrada Família!” Fiquei sem fala; e as lágrimas não puderam deixar de aflorar. Naquele tempo rapazinho de talvez oito ou dez anos, lembrava-se de tudo, e até de ter estado em minha casa, para onde às vezes eu levava alguns daqueles rapazes a almoçar com conosco!
Quando lhe disse que “o caçador” era eu, foi a vez dele se emocionar!
Num abraço muito forte, muito amigo, senti que estava a abraçar o próprio Cristo, já não num menino, mas num homem a quem a vida acabara transformando num homem consciente e orgulhosamente reconhecido à Obra que o ajudou a crescer! Um orgulho humilde!
Que belo começo da nossa, em breve, navegação.
9-ago-05
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