10 setembro 2005
O caminho dos rios
Toda a conformação das águas, toda a coerência do rio vem-lhe das margens. É por estas que sabemos que o rio não é o mar e que este lhe é destino.
Margens e rio são dois opostos que mutuamente se justificam na irredutibilidade de duas inércias de sinal contrário: a do movimento e a da imobilidade. Movessem-se as margens e era o caos; parasse o rio e era o pântano...
Mas há margens e margens! Há as de areia, onde qualquer rio se esvai e esgota; há as de rocha firme, a empurrar as águas sempre mais além; e há até — tantas vezes! — apelos de ir ou de vir em aberturas de novos rios, sempre inventados pelas margens em que os nossos olhos acreditam. Mas no fim surge sempre a imensidão líquida de um destino comum de margens muito para além de todos os limites do olhar, aconchegando o anseio supremo de todos os rios cansados de serpentear.
Tomemos tudo isso como analogia para as sociedades humanas, cujo caudal segue, dada a aparente inércia do movimento, as rotas repetidas da conformação, enquanto as suas franjas, as suas margens, os seus marginais e toda a água que se afasta da corrente ousam caminhos outros — de areia ou rocha, pouco importa — com que a mole se horroriza, de que a plebe escarnece, como esconjuro para o medo de quanto contraria a rotina dos dias, que é o pântano insalubre das inércias consentidas.
Que incómodos são os profetas, as prostitutas, os sonhadores, os drogados, os poetas, os loucos, os sábios e tudo o mais que perturba a sonolência e não deixa que as águas se aquietem!
Para o bem e para o mal, é da água que transborda da corrente que se faz a cheia que rompe as margens, galga os diques e leva, muitas vezes, o rio a escolher um novo leito, onde mais uma vez as águas se conformam na coerência de novas margens e de novas inércias.
Todavia, a paisagem não voltará jamais a ser a mesma.
ABDUL CADRE
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