28 fevereiro 2006

Carta de Agostinho da Silva, "one year before..."

Amigos

Ao que me parece, encontra-se agora o mundo e, sobretudo, aquela Lusitânia de que é Portugal apenas uma pequena província das Europas, mas nelas essencial, num dos momentos mais importantes, mais agudos e mais interessantes que poderiam ser imaginados. Por um lado há o estrondear, a confusão do esborear-se daquele Império Romano que o cristianismo reassegurou depois dos ataques bárbaros e que ao globo foi em caravelas e naus, tôdas mais ou menos oriundas, em facto ou em inspiração, do pinheiral de Leiria, e que vinha, no fundamental, daquele tornar prática pública, no que se podia entender com maior facilidade, a teoria grega, no direito a partir da filosofia, na engenharia de pontes e calçadas a partir de Euclides, na geometria, mas não na física, que era errada, e na penetrante, universal lógica que deu, nas legiões, seu fruto mais perfeito. Ruina também do dealbar daquele Império do Espírito Santo ou do Divino, obra essencial da Rainha Isabel, que foi pena não ter navegado, como missionário, do XIV ao XVI, mas que, graças à expulsão de Portugal de tanto adepto seu, vai mesmo, geneticamente, navegar agora, com o empreendimento em que pensa o Brasil duma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, e seus crioulos, filhos, por seu turno, do crioulo que o Português foi do latim, tudo afinal neto do mais vasto Indo-Europeu. O que vai haver, sem velas, excepto as desportivas, mas por aeroportos e por Faxes, é a integração dum pensamento como o de Lao-tsu, se dele é, com o do que podem inventar os mais renitentes xiitas, que os há em todas as religiões e filosofias. O que houve no Portugal da Alta Idade Média, foi apenas um avisar de sol, logo obscurecido, depois de Aljubarrota, por estar no trono o Dom João das saudades de Londres, mas que vai subir com seu calmo e forte esplendor, todo fruto de fé, que significa confiança, e de crença, que tem que ver com o coração; pelo passado transferido ao futuro, portanto eterno; pelo reinado da criança e o sumir de tôdas as prisões, quer as que há dentro de nós quer as que pululam à nossa volta. Reinado da criança e sacralização dos animais e de tudo o resto. O que temos de ter conosco é um sentido de ordem não opressiva que impeça o caos e ondas de imaginação a saudar o que ainda não veio, com uma China cada vez mais para o concreto, um Brasil todo virado ao sonho, e, no meio, uma África que nos ensine a todos, já que índio enfraqueceu por tanto século de luta. E tôda a atenção a cada notícia de aurora, talvez alguma ainda apanhada por estas vossas Folhinhas.

Lua Nova (face virada ao Sol) dêste abril de 93.


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Buda hostil a Luis de Camões!?


“Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
em minha perdição se conjuraram,
os Erros e Fortuna sobejaram
que para mim bastava Amor somente.”



“Se para ti bastava Amor somente
amor em mim não chega para nada
pois preciso inventar o que hei-de amar
pensando que é a vida que o inventa
já que juntos nós vamos percorrendo
um tempo que também é irreal
o não ser do que é tudo a mim me anima
me recria no espaço que não há
não haver nada é tudo por que anseio
para me erguer não sendo e reteimar
que verdadeiro amor é mesmo amar
pois que nunca a ninguém apraz não ser.”



Pois resumo mais simples e com alguma pontuação, Amigo Buda:

Mesmo convictos de que não há nada,
jamais se perca em nós o dom de amar.

Eis a vida perfeita: Amar Amor.

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