A puta da idade? Porquê chamar de puta à idade? Vamos dar profundidade ao tempo. Vamos imaginar que nos repetimos através dos tempos em reencarnações múltiplas, até um dia. Desse dia falaremos depois. É uma hipótese tão legítima como qualquer outra. Acreditar nas ideias indús ou budistas sobre a persistência da vida. Pensar que o nascimento nos tira muito a memória.
Vamos imaginar que tu aí desse lado que me escutas, lendo, já foste um bravo marinheiro. Digamos, quatrocentos anos atrás. Um jovial fidalgo, na força da idade, figura de proa de uma caravela, onde ela se ergue e corta as furiosas ondas. Os salpicos salgados, o grito das gaivotas, os saltos dos golfinhos.
Depois de demorados meses no embalo das águas, imaginas-te a chegar ao Brasil, as infindas praias de areia branca, a barreira dos coqueirais e as gentes nativas que te esperam, curiosos mais uma vez, à espera de uma nova promessa para um novo dia, de um reparo, de um carinho, de uma afeição. Tiras o lenço que trazes ao pescoço, a encimar uma alva camisa branca, levemente amarelada pelo suor que foste largando pelo caminho, e entregas a uma indígena que imensamente feliz o acaricia demoradamente entre as mãos.
Ou então, que és uma índia. Pele amarelada, dourada pelo sol, cabelo escorrido preto, bem tratado, quem dera enfeitado com conchas do mar, ou talvez não, simplesmente, bem penteado brilhante, lustroso, de puras essências íntimas que te saem de dentro. Roliças carnes, arredondadas ancas, olhos escuros, doces, tímida, extemporaneamente de riso solto, meiga.
O lenço foi para ti. Através dele construi-se um amor prolongado. Idílico. Com brincadeiras infindas pelos matos, ao trinar profundo das cachoeiras. Beijos mil. Roçar de corpos de diferentes matizes, formatos e cheiros, de idênticas sensualidades.
Mas a vida de marinheiro faz-se de chegadas e de partidas. E o que é lânguido e doce, depressa se torna uma saudade. E os romances avolumam-se pelos portos de chegada. É verdade que aquele foi especial. Desenhado e traçado cuidadamente pelo destino. Fruto de novas crianças, de um novo ser, que haveriam de construir um país.
17 setembro 2006
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