O idioma, que traz palavras únicas no mundo, como saudade e luar, promete levantar a nação mangueirense na Marquês de Sapucaí no domingo de Carnaval, quando a Estação Primeira passar. Seu rimado enredo, /Minha pátria é minha língua, Mangueira meu grande amor. Meu samba vai ao Lácio e colhe a última flor/, foi capaz até de desarmar - e apaixonar - acadêmicos e intelectuais, que costumam tapar os ouvidos aos sambas da avenida.“Milhares de brasileiros, portugueses, africanos e integrantes da comunidade lusófona, nas arquibancadas, nas telas das TVs e via internet terão a sua emoção mobilizada na direção do idioma comum, elo de identificação e de aproximação”, vibra o acadêmico Domício Proença Filho, que desfila no carro da Academia Brasileira de Letras e se acabou no ensaio técnico no sambódromo.
A convite do JB, Proença e outros amantes do idioma de Camões analisaram o samba da verde-e-rosa. Todos destacam a oportunidade de popularizar a história do português, falado por cerca de 250 milhões de pessoas no mundo.
“Louve-se a idéia de focalizar a língua portuguesa numa situação de prazer, descontração e poderoso envolvimento, como o Carnaval”, elogia a coordenadora do doutorado em português da Uerj, Maria Teresa Pereira. “A língua pátria chega rapidamente aos corações e mentes, na cadência de um samba.”
Composto por Lequinho, Junior Fionda, Aníbal e Amendoím, o samba-enredo pergunta logo de cara "Quem sou eu?". “É provável que essa mesma pergunta tenha sido feita toda vez que o jogo entre semelhanças e diferenças instigou, causou conflito ou surpreendeu falantes com passado comum, desde a primeira estação, no Lácio, região da atual Itália, até a Estação da Luz, em São Paulo”, sugere o professor de Letras da UFRJ, Afrânio Gonçalves.
Um dos responsáveis pela montagem do Museu da Língua, na Estação da Luz, em São Paulo, e especialista em línguas indígenas, o professor Aryon Rodrigues, da UnB, adorou o neologismo “tupinambrasileirou”: “É uma referência muito criativa ao tupi e ao tupinambá. Agora poderemos afirmar que foi por essa “tupinambrasileiração” que costumamos dizer que comemos mingau e não papas.
Considerado informativo por todos os consultados, o samba traz referências aos grandes poetas, como Olavo Bilac ("Fui ao Lácio e nos meus versos canto a última flor"), Fernando Pessoa, lembrado por Caetano Veloso ("A minha pátria é minha língua"), Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito ("Às folhas secas caídas de Mangueira").“A intertextualidade é riquíssima”, comenta a coordenadora de Português do Colégio Santo Inácio, Regina Carvalho. “Clareza assim para falar da língua só encontrei em Saramago.”
A professora aproveita para acrescentar um dado histórico. O português, diferentemente do que imortalizou Bilac, não é a "última flor do Lácio", ou seja, a última língua derivada do latim.“É o romeno. Mas o samba não errou. Na época do Bilac não se sabia disso. Romeno só foi classificado como latino no século 20.”
Nuno Vasco Oliveira
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