28 setembro 2007

...Tudo isto é Fado

O PODER DO BOM CORAÇÃO

EU SEI que o assunto Dalai Lama já perdeu toda a pica e que nunca teve sequer a da novela da vida real dos McCann , mas eu insisto em premir essa tecla, por mais que neste momento esteja a ser imposta pela excitação social uma cruzada cheia de cobras e lagartos sobre a reformulação das leis penais no nosso país, na sequência da entrada em vigor do novo CPC. A sanha é tanta que nem as contas às milionarisses do Mourinho conseguem diluir o fel. No meio da refrega, percebe-se claramente que há menino guerreiro que, nunca tendo lido sequer a capa deste ou de qualquer outro código, bota, tal-qual fosse um expert, discurso na especialidade, bolçando generalidades bacocas sem qualquer objectividade nem suporte no real, apoiando-se antes na demagogia mais primária e no populismo militante de que mais share se espera; todo um discurso tornado de arremedo e de toma lá que é democrático, tudo embrulhado em susto, que é o melhor condimento para a manipulação das massas que, aliás, adoram ser manipuladas. Se o não fossem e não adorassem sê-lo, então estaria errado o conceito de massas, porque a regra para a farinha-povo é a mesma, mutatis mutandis da farinha-pão e da massa lubificante .
Perante estas disposições legais, vindas da Assembleia da República e derivadas do acordo PS-PSD, compreendo perfeitamente os engulhos causados aos juízes e aos procuradores, já que lhes aumenta o trabalho, apela a maior perspicácia e justiça e lhes dificulta o à-vontade com que, por dá cá aquela palha, toma lá preventiva que o povo aplaude. Todavia, se fizerem um acto de contrição, ficar-lhes-á claro que o passo agora dado, se de algum modo peca é pela timidez; é um passo pequeno, mas sem sombra de dúvida louvável, que nos proporciona finalmente começarmos a afastar-nos dos hábitos e concepções medievas e inquisitoriais que a tanta gente vinha infernizando a vida, servindo apenas para alimentar os instintos primários e o sadomasoquismo das massas populares. Eis o caminho para o poder do que é justo.
Também se percebe a profunda perturbação dos olhares dos agentes de investigação viciados em prender para investigar. Vão ter de mudar de mentalidade e de procedimentos «tradicionais» e trabalhar mais, melhor e mais depressa. Se lhes faltam os meios, então que os exijam. Assim atingiremos o poder da boa investigação.
Mas voltemos à vaca fria: durante o encontro inter-religioso na mesquita de Lisboa, dizia o Dalai Lama, contrariando o pensamento mais comum dos opinion maker de serviço permanente: « Depois do 11 de Setembro, algumas pessoas passaram a ideia de que o islão é todo feito à imagem e semelhança dos terroristas, por estes se assumirem como muçulmanos, acusação totalmente errada e profundamente injusta; eu sou um defensor do islão; há pessoas mal-intencionadas em todas as religiões ». Mas isto, todavia, não seria o mais contrariante para o pensamento ditatorial vigente ao serviço do terrorismo do bem. O Dalai Lama permitiu-se aconselhar os líderes políticos ocidentais a CONVERSAR com Bin Laden, para saber o que é que ele quer verdadeiramente. O que ele disse foi quase ipsis verbis o que Mário Soares, aliás presente como presidente da Comissão para a Igualdade Religiosa, disse há bastante tempo, numa entrevista televisiva, o que lhe valeu dos do costume o epíteto de amigo dos terroristas.
Na Assembleia da República, a coisa não correu melhor aos empunhadores de canetas rombas e câmara desfocadas. Os do costume, expressando ao Dalai Lama, de boca aberta que nem basbaques, o «paradoxo» da presença de Jorge Machado em representação do PCP, receberam o seguinte remoque: «Ele é um comunista muito novo; eu sou um velho marxista, ele é um novo marxista».
Para tais desmandos só vejo uma solução: um novo encontro das Lages . Há que bombardear o Dalai Lama, que esse é o poder dos compassivos bushianos, gente sem alma e sem coração.


Abdul Cadre
Jornal do Barreiro
23/9/07

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