"Como vimos, a espiritualidade e o ecumenismo agostinianos, paracléticos, cumprem-se não na formulação de uma nova religião, sincrética, que a todas reúna e amalgame, nem mesmo enquanto religião do Espírito Santo, enquanto centro unificador de toda a vida espiritual e religiosa, mas antes numa experiência do Espírito, do divino ou do absoluto – isso que designa como “metanóia” ou “samadhi” - , acessível por muitas vias, religiosas ou não, sendo assim compatível com a existência dessa pluralidade diferenciada de caminhos que só será em definitivo transcendida quando todos os homens e seres comungarem a mesma experiência, inaugurando a trans-histórica era do Espírito Santo ou “os tempos de ser Deus” visionária e profeticamente anunciados. Todavia, para aqueles que desde já antecipam essa pneumofania, para aqueles que acedem a essa experiência plena ou pelo menos ao seu vislumbre, e a partir daí consideram a pluralidade diferenciada das religiões e vias, esta torna-se extremamente relativa ou mesmo evanescente, como para o centro vazio da roda que pudesse observar os múltiplos raios que dele partem e nele convergem (conhecida imagem taoísta, usada por Agostinho) ou para o viajante que, havendo chegado ao cume da montanha, pudesse contemplar, a toda a volta, as múltiplas veredas que lá igualmente conduzem. É nesse sentido que nos parece que Agostinho da Silva confessa que, apesar de usar predominantemente a linguagem da via religiosa que começa por praticar, e na medida em que aprofunda essa prática, já não se limita a ser um praticante dessa religião, no caso o catolicismo cristão, sem que o passe a ser de outra. Aliás, optando pelo “Nada que é Tudo” como melhor expressão do divino e do absoluto, mostra encontrar nele a possibilidade de conciliar todas as formas, nomes e imagens divinas com a sua total ausência, negação ou superação. Como diz, em dois aforismos significativamente sucessivos de um texto ainda inédito: “Não sou inglês por falar inglês. Não passo a ser católico se uso a linguagem católica”; “Aviso aos que não concebem que sob o Deus católico possa haver o nada dos budistas” .
Todavia, se a experiência de Deus, do Espírito ou do absoluto é uma transcendência de todas as vias, religiosas ou não, ela converte-se, ao mesmo tempo, e por isso mesmo, no sentimento da sua plena e total integração e cumprimento, sem qualquer contradição, como não há contradição em considerar os raios da roda inseparáveis do seu centro vazio ou o cume da montanha inseparável de todos e cada um dos caminhos que de lá partem e lá conduzem. Daí, ainda sem contradição, outra afirmação: “Claro que sou cristão; e outras coisas, por exemplo budista, o que é, para tantos, ser ateísta; ou, outro exemplo, pagão. O que, tudo junto, dá português, na sua plena forma brasileira”.
- Paulo Borges, Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, Lisboa, Âncora Editora, 2006, pp.189-192.
18 dezembro 2007
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6 comentários:
É precisamente essa multiculturalidade intrínseca que constitui a nosa identidade como seres humanos.
Viva a multiculturalidade.
A nossa Identidade constroi-se (penso eu) na cooperação e no confronto com a(s) diferença(s).
Dialógico
... diferenças culturais, queria eu dizer. E nisso Agostinho da Silva foi um Mestre.
Dialógico
A experiência (espiritual) é a mãe das religiões.
A experiência é fundadora, o texto decorrente ajuda ao princípio... no meio só lá se vai com ajudas de outros... depois no fim... já não há texto -, a não ser que o sujeito da experiência a queira partilhar escrevendo outro texto, estruturalmente a experiência e a sua textualização só se enconram no infinito.
Entre o o marear no simbólico e o erro do intelecto - há quem perca o pé nisto ou naquilo, Agostinho não se deixou levar e não quis discípulos - Ora aí está um GRANDE MESTRE!
Tudo isto (nos) acontece e já não é pouco.
www.areaprojecto1.blogspot.com
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