29 dezembro 2006
Os Portugueses e a Abissínia
O Preste João, segundo uma gravura veneziana di século XVI.
As primeiras notícias sobre o Prestes João chegaram à Europa no ano de 1145, quando Hugo de Gebel, Bispo de uma colónia cristã no Líbano, informou o Papa da existência de um reino cristão situado "para lá da Pérsia e da Arménia", governado por um rei-sacerdote denominado Iohannes Presbyter (João, o Presbítero, i.e. sacerdote ou ancião) e que seria descendente de um dos Reis Magos.
Este soberano teria derrotado recentemente os reis dos Medos e dos Persas e avançado com o seu exército, a fim de levar auxílio a Jerusalém, ameaçada pelos muçulmanos, tendo, contudo, esbarrado no rio Tigre, por falta de embarcações para a travessia e, por fim, sido forçado a regressar ao seu país.
Estas notícias lançaram grande entusiasmo na corte papal e causaram sensação entre os líderes europeus que, informados pela mesma via da queda de Edessa em poder dos muçulmanos, se preparavam para ir em socorro dos reinos cristãos no Oriente, no que viria a ser a 2ª Cruzada. Aquela expedição acabou, porém, num rotundo fracasso, não tendo sido registada a chegada de qualquer providencial auxílio aos cruzados.
Durante algum tempo não mais se ouviu falar no misterioso monarca, até que em 1165, chegou às mãos do Papa e dos imperadores Manuel Comneno, de Constantinopla, e Frederico Barba-Ruiva, da Alemanha (os três maiores governantes da cristandade), uma carta dirigida simultaneamente aos imperadores romanos do Ocidente e do Oriente, cujo remetente se intitulava "João, Presbítero, pela Omnipotência Divina e pelo poder de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor dos Senhores".
Proclamava-se o autor da carta "Senhor das Três Índias" (no conceito geográfico medieval, as Três Índias subdividiam-se em Próxima Índia, Extrema Índia e Média Índia, correspondendo respectivamente às partes Norte e Sul do subcontinente indiano e à região africana hoje denominada Etiópia) e vangloriava-se de ser "superior em virtude, riquezas e poder a todos os que caminham sob os Céus", habitando um palácio de ébano e cristal com tecto de pedras preciosas e colunas de ouro, sendo servido por reis e por bispos. Os seus guerreiros percorriam os céus cavalgando dragões selados e uma fonte da juventude estava acessível a todos os seus súbditos, contando, já, o rei 562 provectos anos. Afirmava ainda que o seu reino era povoado, entre outras espécies, por "homens com cornos, homens com um só olho, homens com olhos à frente e atrás, centauros, faunos, sátiros, pigmeus, gigantes de 40 côvados de altura, ciclopes machos e fêmeas, o pássaro chamado Fénix e quase todas as espécies de animais que vivem sob o Sol".
(...)
A lenda do Prestes João foi alimentada pela existência de dois grandes grupos cristãos primitivos isolados da cristandade ocidental e jamais submetidos à autoridade papal: os coptas, na região da Abissínia (a actual Etiópia, cristianizada desde o século IV) e os nestorianos que se implantaram na Ásia, atingindo algumas zonas da Índia (os famosos "cristãos de S. Tomé", da costa do Malabar, cujas comunidades teriam, segundo a lenda, sido fundadas por aquele apóstolo) e da Tartária, onde foram convertidos os turcos Kereitas e algumas tribos mongóis. Em todas estas regiões o lendário rei foi procurado, tendo sido, na verdade, encontrado um pouco por todas elas.
(...)
Mas, tendo sido real ou um mero produto da imaginação medieval, o rei-sacerdote acabou por ser um verdadeiro aliado da cristandade, pois a busca do seu reino foi, sem dúvida, um incentivo e um catalizador da expansão europeia para Oriente.
Jorge Manuel Moreira Silva
(texto enviado por Chrys CHRYSTELLO,
dialogos_lusofonos@yhaoogrupos.com.br )
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