27 fevereiro 2006

Moisés e Akhenaton

«… Por meio das conquistas efectuadas durante a XVIII di­nastia, o Egipto tornou-se um império. O novo im­perialismo reflecte-se na evolução das concepções re­ligiosas, quando não de todo o povo, pelo menos nas camadas superiores, dominantes e espiritual­mente activas. Por influência do sacerdote do deus solar de On (Heliópolis), secundado talvez por in­fluências originárias da Ásia, forma-se a ideia de um deus universal Aton, não restringido já a um país e a um povo. Com o jovem Amenófis IV, sobe ao poder um faraó que não conhece interesse maior que o desenvolvimento desta ideia divina. Ele eleva a religião de Aton a religião nacional, e é através dele que o deus universal se torna no deus único…

«… Com uma espantosa intuição dos conhecimentos científicos que mais tar­de surgiriam, reconheceu na energia da radiação so­lar a fonte de toda a vida sobre a Terra, e venera-a como símbolo do poder do seu deus. Gloria-se da alegria pela criação e da sua vida em Maat (verdade e justiça).


É o primeiro e talvez o único caso de uma reli­gião monoteísta na história humana; teria um valor incalculável um conhecimento mais profundo dos condicionalismos históricos e psicológicos da sua formação. Mas alguém cuidou de que não nos che­gassem demasiadas notícias sobre a religião de Aton. Sob os medíocres sucessores de Akhenaton, des­moronou-se tudo quanto ele havia criado. A vingan­ça dos sacerdotes exercia-se agora contra a sua me­mória: a religião de Aton foi abolida, a residência do faraó estigmatizado, destruída e saqueada. Cerca do ano de 1350 a.C. extinguiu-se a XVIII dinastia. Após um período de anarquia, o chefe militar Ha­remhab , que reinou até 1315, instaurou de novo a ordem. A reforma de Akhenaton parecia um episódio destinado ao esquecimento.

«… Entre as pessoas próximas de Akhenaton havia um homem que talvez se chamasse Tut­més, como tantos outros por essa época – a questão do nome não é de grande importância, mas a sua segunda componente tinha de ser mose . Ele era um discípulo convicto da religião de Aton, mas em contraste com o rei idealista, era enérgico e im­pulsivo. Para este homem, o fim de Akhenaton e a abolição da sua religião significavam o fim de todos os seus anseios. Ele só poderia permanecer com vida no Egipto, como proscrito ou apóstata. Talvez na condição de governador da província fronteiriça, ti­nha entrado em contacto com uma tribo semítica que para ali emigrara havia algumas gerações. Em face da desilusão e do isolamento, voltou-se para es­tes estrangeiros, e procurou neles uma compensação para os seus agravos. Elegeu-os como seu povo, e procurou realizar neles os seus ideais. Depois de ter deixado com eles o Egipto, acompanhado dos seus seguidores, sagrou-os pelo sinal da circuncisão, deu-lhes leis e introduziu-os nos ensinamentos da reli­gião de Aton que os egípcios acabavam de rejeitar. Os preceitos que este homem Moisés deu aos seus judeus, talvez fossem mais rudes ainda que os do seu senhor e doutrinador Akhenaton, talvez tenha mesmo deixado de apoiar-se no deus do Sol de On, que aquele venerara…»

In «Moisés, O seu Povo e a Religião Monoteísta»
Sigmund Freud - Junho de 1938

enviado por Abdul Cadre

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito feliz a escolha do trecho freudiano a respeito do assunto.

Da leitura de "Moisés e o Monoteísmo" fica-me uma dúvida :

Será que a circuncisão, que Heródoto diz provir do Egito, e se confirmaria pelo achados de certas múmias, ocorreria entre todos os egípcios ou seria restrita à revolução de Aton ?

Em outras palavras, os adeptos de Amon também a prescreviam ?

Fernando Neto

luis disse...

Caro Fernando Neto, o amigo abdul.cadre@gmail.com, decerto, poderá responder às suas perguntas.

Abraço,
Luis Santos