«… Por meio das conquistas efectuadas durante a XVIII dinastia, o Egipto tornou-se um império. O novo imperialismo reflecte-se na evolução das concepções religiosas, quando não de todo o povo, pelo menos nas camadas superiores, dominantes e espiritualmente activas. Por influência do sacerdote do deus solar de On (Heliópolis), secundado talvez por influências originárias da Ásia, forma-se a ideia de um deus universal Aton, não restringido já a um país e a um povo. Com o jovem Amenófis IV, sobe ao poder um faraó que não conhece interesse maior que o desenvolvimento desta ideia divina. Ele eleva a religião de Aton a religião nacional, e é através dele que o deus universal se torna no deus único…
«… Com uma espantosa intuição dos conhecimentos científicos que mais tarde surgiriam, reconheceu na energia da radiação solar a fonte de toda a vida sobre a Terra, e venera-a como símbolo do poder do seu deus. Gloria-se da alegria pela criação e da sua vida em Maat (verdade e justiça).
É o primeiro e talvez o único caso de uma religião monoteísta na história humana; teria um valor incalculável um conhecimento mais profundo dos condicionalismos históricos e psicológicos da sua formação. Mas alguém cuidou de que não nos chegassem demasiadas notícias sobre a religião de Aton. Sob os medíocres sucessores de Akhenaton, desmoronou-se tudo quanto ele havia criado. A vingança dos sacerdotes exercia-se agora contra a sua memória: a religião de Aton foi abolida, a residência do faraó estigmatizado, destruída e saqueada. Cerca do ano de 1350 a.C. extinguiu-se a XVIII dinastia. Após um período de anarquia, o chefe militar Haremhab , que reinou até 1315, instaurou de novo a ordem. A reforma de Akhenaton parecia um episódio destinado ao esquecimento.
«… Entre as pessoas próximas de Akhenaton havia um homem que talvez se chamasse Tutmés, como tantos outros por essa época – a questão do nome não é de grande importância, mas a sua segunda componente tinha de ser mose . Ele era um discípulo convicto da religião de Aton, mas em contraste com o rei idealista, era enérgico e impulsivo. Para este homem, o fim de Akhenaton e a abolição da sua religião significavam o fim de todos os seus anseios. Ele só poderia permanecer com vida no Egipto, como proscrito ou apóstata. Talvez na condição de governador da província fronteiriça, tinha entrado em contacto com uma tribo semítica que para ali emigrara havia algumas gerações. Em face da desilusão e do isolamento, voltou-se para estes estrangeiros, e procurou neles uma compensação para os seus agravos. Elegeu-os como seu povo, e procurou realizar neles os seus ideais. Depois de ter deixado com eles o Egipto, acompanhado dos seus seguidores, sagrou-os pelo sinal da circuncisão, deu-lhes leis e introduziu-os nos ensinamentos da religião de Aton que os egípcios acabavam de rejeitar. Os preceitos que este homem Moisés deu aos seus judeus, talvez fossem mais rudes ainda que os do seu senhor e doutrinador Akhenaton, talvez tenha mesmo deixado de apoiar-se no deus do Sol de On, que aquele venerara…»
In «Moisés, O seu Povo e a Religião Monoteísta»
Sigmund Freud - Junho de 1938
enviado por Abdul Cadre
27 fevereiro 2006
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2 comentários:
Muito feliz a escolha do trecho freudiano a respeito do assunto.
Da leitura de "Moisés e o Monoteísmo" fica-me uma dúvida :
Será que a circuncisão, que Heródoto diz provir do Egito, e se confirmaria pelo achados de certas múmias, ocorreria entre todos os egípcios ou seria restrita à revolução de Aton ?
Em outras palavras, os adeptos de Amon também a prescreviam ?
Fernando Neto
Caro Fernando Neto, o amigo abdul.cadre@gmail.com, decerto, poderá responder às suas perguntas.
Abraço,
Luis Santos
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