15 abril 2009

Amor se Faz na Cozinha


Depois das refeições, Vitalina recolhia-se à cozinha. Lavava a louça, enxugava os pratos, arrumava os talheres na gaveta, sacudia a toalha de mesa e pendurava o pano de prato no varal do quintal. Depois, servia-se de um cálice de vinho do Porto, acendia um cigarro, sentava-se à velha mesa e ligava o rádio.
As notas de Moon Light Serenade aninhavam-se no bolso de seu avental que não era sujo de ovo, mas guardava estrelas. Sílvio Caldas, talvez por ciúmes de Duke Ellington ou por não resistir a um regaço moreno, aveludava ainda mais a voz e cantava só para ela. Vitalina gostava desses galanteios.
Cresci dentro de uma cozinha que cantava e recitava trechos de antigas novelas. Por premonição estética ou por vergonha de não saber ler, Vitalina tinha na cozinha (para ser usado no futuro) um grosso volume de poesias de Cruz e Souza. Não sabia decifrar as letras, mas aprendera a gostar do moço que morava dentro do livro . Ah, o livro. Um livro que aprendeu a falar à medida que na escola eu conhecia as letras. E, quando cheguei ao Z e ao domínio dos verbos, dos pronomes, das conjunções, dos hiatos e dos objetos diretos e indiretos, o moço do livro soltou a fala. Disse que era um poeta. Vitalina gostou tanto de suas palavras, que lhe pediu para trazer os amigos "para uma prosinha". O moço não se fez de rogado e trouxe um animado bando que, num piscar de olhos, transformou a velha cozinha num recanto boêmio.
Todos os dias, enquanto Vitalina refogava o feijão ou assava um bolo, lá se reuniam Neruda, Eluard, Camões, Castro Alves, Gregório de Matos, Rimbaud, Allen Ginsberg, Baudelaire, Elisabeth Bishop, Pound, Augusto dos Anjos, Dorothy Parker, Lorca... para beber licor de jenipapo ao som da Rádio Nacional e das histórias que Vitalina tão bem narrava.
O endereço da boemia espalhou-se, e vieram os pintores. Picasso ficou maluco com os potes de barro que Vitalina ganhara de Mestre Vitalino. Dali levou Gala. Goya chegou desacompanhado. Degas apareceu com umas bailarinas. Vieram muitos, aos bandos.
Os atores chegaram por último (trabalhavam até tarde), acompanhados por amigos cantores. Maria Callas chegou com Theda Bara, uma chegada triunfal; Callas nas vestes de Medéia, e Theda nas de Cleópatra. Procópio Ferreira surgiu com um querubim baixinho chamado Grande Otelo; Cacilda Becker com Pixinguinha e Donga; Fernanda Montenegro com uma nereida chamada Chiquinha Gonzaga. E foram tantos que lá foram, que eu poderia jurar que Eurípedes e Shakespeare também por lá apareceram.
Aos domingos, as mulheres da minha família se reuniam, e Vitalina narrava as artes da boemia. Ninguém se espantava. Afinal, eram bruxas, e se bruxas podiam voar em vassouras por que seria impossível poetas saírem dos livros, pintores surgirem das telas, atores representarem à mesa e cantores fugirem dos discos? Não, as "artes" não eram nada improváveis.Os anos se passaram e a boemia cresceu. Vieram os vizinhos e em pouco tempo o bairro inteiro. Vitalina cozinhava e o improvável acontecia. Os noivos se casavam, os feios embelezavam, os malvados adocicavam, e os velhos rejuvenesciam.
Um dia, Deus, que já estava cansado - e com ciúmes - de ouvir as histórias da tal boemia, não resistiu ao cheirinho do bolo que Vitalina assava e a chamou para viver com Ele.Vitalina aceitou o convite e fez de Deus sua última conquista. Dizem que ela foi a primeira a conquistá-Lo pela boca.

Marcia Frazão http://www.marciarfrazao.blogspot.com/

obs¹: se você gostou de Vitalina, de sua cozinha, de seus amores,de seus feitiços, de seus amigos e de seu "caso" divino , ela está inteirinha no meu livro "Amor se Faz na Cozinha", publicado pela Editora Bertrand.

na foto, Vitalina e sua filha, Nazir.

13 abril 2009

Queres um mantra?...

Conta uma história yogue que havia um jovem e imaturo aprendiz de "SWAMI" que morava nos contrafortes do Himalaia aprendendo e praticando a ciência do Yoga.
- A ciência de se tornar perfeito.
Seu mestre, um poderoso e renomado SWAMI, vez por outra mandava o jovem swami aprender com outros swamis mais adiantados.
Certa vez o mestre do jovem swami o mandou ir ter com um outro swami que morava no mais profundo Himalaia, entre Uttarkasha e Harsil.
O jovem foi vê-lo, e quando chegou ele perguntou:
-Qual o propósito da tua visita?
- Quero receber uma mantra - respondeu o jovem swami.
-Terás de esperar.
Quando os ocidentais se dirigem a a alguém em busca de uma mantra, estão preparados para gastar muito dinheiro, se preciso for, mas não querem esperar. O jovem com este mesmo espírito argumentou:
-Swamiji, tenho pressa.
-Então volta no ano que vem.
-Mas se eu ficar agora, quantos dias terei que esperar?
-Terás de esperar o tempo que eu quiser que esperes - replicou o sábio.

Diante disto, o jovem swami teve que esperar pacientemente, um, dois, três, quatro dias. Mas mesmo assim o velho swami não lhe dava a mantra.
No final do quarto dia, ele disse ao jovem swami:
-Quero dar-te uma mantra, mas tens de prometer que te lembrarás dela o tempo todo.
-Prometo! - disse-lhe o jovem swami.
Ao chegarem a beira do Ganges o sábio o fez prometer de novo.
-Prometo nunca esquecer esta mantra. - repetiu o jovem.
Mas o velho mestre continuou a contemporizar e o fez prometer por várias vezes.
Após repetir dezenas de vezes por fim o mestre disse:
-Onde quer que vivas, vive alegremente. Esta é a mantra. Sejas alegre em todos os momentos de tua vida, ainda que estejas por trás de grades. Onde quer quer que tu vivas, ainda que tenhas de ir a um lugar infernal, cria ali o céu. Lembra-te, meu rapaz, a alegria é obra tua. Requer tão somente o esforço humano. Tu mesmo tens de criá-la. Lembra-te da minha mantra.
O jovem swami se sentia muito feliz e muito triste ao mesmo tempo. Pois esperava que o velho swami lhe desse um som inusitado para repetir. Mas o velho foi mais prático.
E até hoje o swami aplica esta mantra em sua vida, e consta que ele em tido êxito em tudo que faz em toda parte.
Sua receita espiritual parece ser o melhor dos médicos que um ser humano pode dispor. Verdadeira chave da nossa própria cura.

07 abril 2009

A Comédia Latina

Havia entre os Gregos a ideia que, em tempos idos, teria havido uma Idade do Ouro, período em que os homens viviam na Terra como se do Paraíso se tratasse: a felicidade conhecia as formas mais apuradas entre os Deuses, as guerras inexistiam, os interesses do grupo sobrepunha-se aos individuais, alimentavam-se sobretudo a partir dos frutos que colhiam das árvores. E, assim, poderiam ter prolongado este modo de vida na Terra, se não se tivesse verificado uma corrupção dos costumes, tendo-se entrado num outro período histórico designado por Idade do Ferro.
(...)

cf. SILVA, Agostinho - A Comédia Latina. Brasil: Edições de Ouro, 1946?/1947?

05 abril 2009

Andar de Metro

autor desconhecido

26 março 2009

Trânsitos

Olá
Nos próximos dias, o Sol e Vénus estão sob aflição de Ketu e isto pode causar problemas súbitos nas áreas da profissão, saúde e relacionamentos. Por isso, tenham paciência e evitem condução e pressas desnecessárias.
Abreijos.
--
(enviado por Jorge Angelino)

21 março 2009

Barcos Vermelhos


Gal
Barcos Vermelhos
óleo s/ tela
50 x 70 cm

20 março 2009

Um cheirinho a alecrim

Há dias em que tem-se a impressão de se estar dentro de um espesso nevoeiro. Tudo parece monótono e difícil e o coração FICA triste. É a noite escura da alma. Era meu aniversário e justamente um destes dias estranhos, quando uma voz interior me disse:

- 'Você precisa tomar chá de alecrim!'

Fui ao jardim e lá estava nosso viçoso pé de alecrim.
Interessante é que quase todos que visitam nossos jardins demonstram afeição e respeito pelo alecrim. Confesso que nunca liguei muito para ele. Mas, naquele dia, com toda reverência, colhi alguns ramos, preparei um chá e o servi em uma Linda xícara.

O aroma era muito agradável e, a cada gole que bebia, senti a mente ir clareando. Uma sensação de bem-estar e alegria foi se espalhando pelo corpo e senti enorme felicidade no coração. Fiquei muito impressionada com a capacidade dessa planta transmitir alegria. Aliás, o Nome alecrim já lembra alegria. Resolvi pesquisar a respeito e - veja só que maravilha!

O alecrim - Rosmarinos officinalis, planta nativa da região mediterrânea - foi muito apreciado na Idade Média e no Renascimento, aparecendo em várias fórmulas, inclusive a 'Água da Rainha da Hungria', famosa solução rejuvenescedora. Elizabeth da Hungria recebeu, aos 72 anos, a receita de um anjo (um monge?)quando estava paralítica e sofria de gota. Com o uso do preparado, recobrou a saúde, a beleza e a alegria.
O rei da Polônia chegou a pedi-la em casamento!

Madame de Sévigné recomendava água de alecrim contra a tristeza, para recuperar a alegria.

Rudolf Steiner afirmava que o alecrim é, acima de tudo, uma planta calorífera que fortalece o centro vital e age em todo o organismo. Além disso, equilibra a temperatura do sangue e, através dele, de todo o corpo. Por isso é recomendado contra anemia, menstruação insuficiente e problemas de irrigação sangüínea.

Também atua no fígado. E uma melhor irrigação dos órgãos estimula o metabolismo. (...)O alecrim é digestivo e sudorífero. Ajuda a assimilação do açúcar (no diabetes) e é indicado para recompor o sistema nervoso após uma longa atividade intellectual. É recomendado para a queda de cabelo, caspa, cuidados com a pele, lesões e queimaduras; para curar resfriados e bronquites, para cansaço mental e estafa; ainda para perda de memória, aumentando a capacidade de aprendizado.

Existe uma graciosa lenda a respeito do alecrim:

Quando Maria fugiu para o Egito, levando no colo o menino Jesus, as flores do caminho iam se abrindo à medida que a sagrada família passava por elas.
O lilás ergueu seus galhos orgulhosos e emplumados, o lírio abriu seu cálice.
O alecrim, sem pétalas nem beleza, entristeceu lamentando não poder agradar o menino.
Cansada, Maria parou à beira do Rio e, enquanto a criança dormia, lavou suas roupinhas. Em seguida, olhou a seu redor, procurando um lugar para estendê-Las.
'O lírio quebrará sob o peso, e o lilás é alto demais.
Colocou-as então sobre o alecrim e ele suspirou de alegria, agradeceu de coração a nova oportunidade e as sustentou ao Sol durante toda a manhã.
Obrigada, gentil alecrim! - disse Maria.
Daqui por diante ostentarás flores azuis para recordarem o manto azul que estou usando. E não apenas flores te dou em agradecimento, mas todos os galhos que sustentaram as roupas do pequeno Jesus, serão aromáticos. Eu abençôo folha, caule e flor, que a partir deste instante terão aroma de santidade e emanarão alegria.'


Bom chá de alecrim pra você!!!

(autor desconhecido)

18 março 2009

O Interno Feminino (prosa), 2003


(desenho de autor desconhecido)

(...)
Uma das razões que sustentaram a nossa amizade foi, sem dúvida, o facto de gostarmos de conversar. Sobre coisas das ciências, é certo, mas particularmente sobre temas metafísicos, esotéricos, a que sempre dávamos uma atenção especial.

Pois bem, hoje tive um sonho que me trouxe de volta algumas das nossas conversas. Eu e a Sónia, no século XVI, quando do achamento e colonização do Brasil pelos Portugueses, também andámos por lá. Eu que tinha ido de Portugal, ela uma índia brasileira.

Mantivémos uma relação amorosa que acabara por cair em desgraça. Eu dadas algumas obrigações tivera de voltar, ela porque não podia vir teve de ficar. O fim haveria de ser trágico, mas essa parte da história vou isentar-me de contar.

Essa uma das razões porque nos voltámos a reencontrar por aqui, nesta transição de século, eu ainda com um ar bem Português, ela já Portuguesa, mas ainda uma nítida ìndia, no corpo, na cara, nos cabelos. É essa uma das razões que nos trouxe de novo a estar juntos. Agora já com os corações quase pacificados, por termos fincado a Amizade em vez do amor e pelo que ela lhe tem de superior.

Assim seja.

15 março 2009

14 março 2009

07 março 2009

A Síntese da Luz

Uma gota de água
um raio de luz e truz
num cantinho de terra
qualquer coisa germina
auto-suficiente, cresce para cima
e é verde

Uma gota de água e um raio de luz
e truz
respira no ar
o nosso respirar
o nosso sustento

É um milagre vulgar
a síntese molecular
o nosso verdadeiro patrão
a nossa esperança de vida
uma gota de água e um raio de luz
e truz.

(in, Muro de Histórias)

Muro de Histórias(poesia), 2002


Capa de José Pereira (Zeca)
óleo sobre tela

04 março 2009

Beleza


Gal
óleo s/ tela
(100x50)

01 março 2009

Crescer

Para um amigo muito grande,
um poema que se chama Crescer mas que fala da liberdade


Hoje acordei a chorar
(perdoem-me aqueles que não choram)
numa vala de pensamentos,
Quis poder renunciar
A todos os momentos

Fragmentos, contra tempos
Passos lentos, guarda-chuva
Nuvens, fumo,
Pedras, asfalto, rochedo
Angústia, frio, medo

Era um dia escuro, duro escuro
E as cortinas liláses
E o tapete cor de uva
E a vidraça da janela
Tímida

Da casa do rés-do-chão
Gradeada como uma cela
Em jeito de prisão
Enquanto no meu peito
Foge, foge, fugia

Pedras, asfalto, rochedo
Vontade que emergia,
E eu ainda sonhava
Enrolar a minha lingua em algodão doce,
E fazer bolas em pastihas de alcatrão
E soprar outras sorridentes de sabão
E que o mundo que me embalava
Fosse...
O mundo que me segurava
Fosse...

Porque eu brincava em baloiços verdes,
E ele me amava
E surpreendia
E eu ria, ria, ria
Julgando não ser crescida

E sem poder enterrar
O que vinha já sendo um segredo
Quis acordar a cantar
Como um pássaro sem medo.

Joana Espirito Santo